quinta-feira, 23 de julho de 2009

Cegueira no vale da Visâo...


Seções – Deixem que elas mesmas falem


Rosalee Velloso Ewell “O que está perturbando vocês agora, o que os levou a se refugiarem nos terraços, cidade cheia de agitação, cidade de tumulto e alvoroço?” Estas são as palavras do profeta Isaías, ditas há muito tempo a um povo que se chamava santo, mas que nada tinha de santidade. No contexto deste complexo 22º capítulo do livro de Isaías, o profeta sabe que o clima deveria ser de luto. Porém, como havia feito muitas vezes, o povo, seguindo líderes vaidosos e gananciosos, não ouviu a voz de Deus e preferiu festa e júbilo às lamentações e choro exigidos pelo profeta.
Isaías estava triste porque Jerusalém seria capturada pelos babilônios e a desgraça seria mais que merecida, já que o povo havia se esquecido do Senhor. De acordo com J. Alec Motyer, o pecado da cidade era a autossuficiência. As pessoas achavam que podiam se salvar por meio de alianças com os povos ao redor, construindo muros cada vez mais altos e sistemas de defesa cada vez mais aprimorados. Por isso a cidade estava em festa, celebrando uma vitória passageira. Jerusalém esqueceu-se da aliança com seu Deus.
As palavras de Isaías à cidade de Jerusalém são tão relevantes para nossas cidades hoje quanto foram para o povo de Deus no passado. Vivemos cheios de temor e medo: medo que a violência chegue à nossa porta ou medo de sermos violentos; medo da pobreza, da riqueza, da doença, da morte e até da vida. Para onde foi o temor de Deus?
O profeta, como muitos antes e depois dele, clamava ao povo para que ouvisse sobre a salvação que somente Deus poderia oferecer-lhes. Porém, o povo, como muitos cristãos hoje, preferia ficar de olhos fechados, cegos para as palavras de Deus e focados em suas habilidades e nos prazeres vãos da vida.
Esquecemos que, como Israel, somos chamados para sermos um povo missionário, um povo diferente e transformador em nossa sociedade. Está na moda uma igreja se autodenominar “transformadora”, “progressiva”, “social”. O estranho é que “bíblica” não é um adjetivo que entraria para essa lista. Por quê? Afinal, em épocas de grande transformação e renovação da igreja, vemos que foram a leitura e o estudo da Bíblia que geraram reformas como a Protestante do século 16, os avivamentos na América do Norte nos séculos 18 e 19, as reformas na Igreja Católica na década de 1960 e o Movimento de Lausanne na década de 1970. Todos estes movimentos surgiram porque alguns procuraram levar a Bíblia a sério em seus respectivos contextos.
Em termos práticos, precisamos de menos modismos e mais estudos cuidadosos da Bíblia. Tal afirmação parece simples demais. Porém, somos reféns de nossa autossuficiência e temos medo de ver o que o Espírito faz quando dois ou três se reúnem para ouvir as palavras de Deus. É mais confortável criarmos esquemas elaborados de ensino, de metodologias, de crescimento da igreja e transformação da sociedade, ficando assim longe das palavras da Bíblia. Frequentemente somos como Jerusalém, nos apoiando em nossas habilidades e arrogância, cegos e surdos às palavras do Senhor.
O Vale da Visão é o nome enigmático que Isaías deu a Jerusalém. Talvez porque ali recebeu profecias marcantes, talvez porque era o único a ver a calamidade por vir. A cegueira de Judá é a pandemia de hoje?

. Rosalee Velloso Ewell é casada, tem três filhos e mora em Londrina, no Paraná. É doutora em teologia pela Duke University (EUA) e editora do Novo Testamento para o Comitê Latinoamericano de Literatura Bíblica.



Seções — Abertura
A história da oração

Quando o ser humano começou a orar? Quem fez a primeira oração? A última frase de Gênesis 4 registra que, logo após o nascimento de Enos, começou-se “a invocar o nome do Senhor” (Gn 4.26). Embora o verbo “invocar” pareça sinônimo de cultuar ou adorar, em outros textos ele é sinônimo de clamar ou orar. Numa de suas orações, Davi escreve: “Na minha angústia, “invoquei” o Senhor, “clamei” a meu Deus; ele, do seu templo, ouviu a minha voz” (2Sm 22.7). No Salmo 50, Deus diz: “Invoca-me no dia da angústia: eu te livrarei, e tu me glorificarás” (Sl 50.15). As mesmas palavras são proferidaspela boca do profeta Jeremias: “Invoca-me, e te responderei” (Jr 33.3).
A expressão “invocar o nome do Senhor” aparece seis vezes no primeiro livro da Bíblia. Abraão (12.8; 13.4; 21.33), sua escrava Agar (16.13) e seu filho Isaque (26.25) invocam o nome do Senhor. A esta altura da história humana tal ato já seria um exercício religioso habitual.
As outras orações de Gênesis não são meras invocações da presença de Deus, mas súplicas bem elaboradas e mais explícitas. A primeira é um modelo de oração intercessória. As outras são pedidos em favor da interferência da misericórdia e do poder de Deus para resolver situações difíceis (a oração do servo de Abraão), situações ligadas a problemas de saúde (a oração de Isaque) e situações de perigo (as orações de Jacó).
Abraão demora-se na presença de Deus e insiste o quanto pode em favor da não-destruição de Sodoma e Gomorra, em benefício de alguns poucos justos porventura ali residentes. E ele consegue o favor de Deus vez após vez: Deus não destruiria as cidades da campina caso houvesse ali cinquenta, 45, quarenta, trinta, vinte ou dez justos. Como não havia nem sequer dez, as cidades foram destruídas (Gn 18.22-33). O mesmo Abraão orou em favor da saúde de Abimeleque, sua mulher e servas (Gn 20.17).
O filho de Abraão e Agar, ao ser mandado embora junto com a mãe, não tendo mais água para beber, clamou e “Deus ouviu a voz do menino” (Gn 21.17).
O servo de Abraão não sabia como cumprir a delicada missão de conseguir uma esposa para o filho solteirão de seu senhor. Então apelou à oração e foi plenamente atendido. A primeira moça com a qual se encontrou na Mesopotâmia tornou-se esposa de Isaque. O servo fez questão de contar essa experiência de oração à família da jovem (Gn 24.10-50).
Como Rebeca não engravidava, “Isaque orou ao Senhor por sua mulher, porque ela era estéril”. Depois de completar bodas de porcelana, aos 60 anos, nasceram os gêmeos Esaú e Jacó (Gn 25.19-26).
Depois de casar-se com quatro mulheres, de se tornar pai de doze rapazes e de Diná, e de ficar muito rico, Jacó resolveu voltar para sua terra. Porém, logo soube que o irmão ainda alimentava vingança contra ele e vinha ao seu encalço com quatrocentos homens armados. Ao perceber que ele e sua família estavam em perigo, Jacó orou ao Senhor: “Livra-me das mãos de meu irmão Esaú, porque eu o temo, para que não venha ele matar-me e as mães com os filhos”. Foi uma oração perseverante e audaciosa, pois do lado de cá do Jaboque ele disse ao Senhor: “Não te deixarei ir se não me abençoares”. A emoção desarmou Esaú, os dois inimigos choraram um no ombro do outro e a guerra acabou (Gn 32.3-32).
O que mais se aprende com esta história de oração é a humildade com que elas foram feitas. Na intercessão por Sodoma, Abraão declarou: “Eis que me atrevo a falar ao Senhor, eu que sou pó e cinza” (Gn 18.27). Jacó também confessou o que de fato era ao começar sua oração com as seguintes palavras: “Sou indigno de todas as misericórdias e de toda a fidelidade que tens usado para com teu servo” (Gn 32.10).
Bom seria se todas as nossas orações começassem com essa confissão de Jacó e a do publicano: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18.13).

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